O momento do exercício do ato controlador (prévio, concomitante ou posterior à eficácia do ato administrativo) é tema disputado no controle de contas. Sua conformação é fruto de desenho institucional escolhido pelo Parlamento em tempo e lugar determinados, com suas vantagens e desvantagens.
No que toca aos contratos administrativos, percebe-se um movimento de Cortes de Contas mundo afora, com o abandono gradual do modelo de registro prévio. É o que se verificou em Portugal, Itália e Bélgica e também no Brasil, que a partir de 1967 optou pelo controle posterior como regra.
No contexto brasileiro, a adoção desse modelo foi compensada por meio da ampliação de competências do TCU, com a criação das inspeções e auditorias e com o fortalecimento das competências acautelatórias, especificadas e delimitadas no próprio texto constitucional e em leis[1].
Por aqui, apesar de o controle de contas não ser prévio como regra, ele abriga instrumentos de prevenção, cuja finalidade é evitar ou mitigar danos ao erário e a perpetuação de atos ilícitos.
Haveria então diferença entre controle prévio e preventivo? Entendemos que sim.
Todo controle prévio é preventivo. A afirmação pode ser ilustrada pela própria exposição de motivos do ato normativo que inseriu o TCU em nosso ordenamento (Decreto nº 966-A), na qual se justifica a opção pelo modelo de controle prévio em função de sua finalidade preventiva.
Mas nem todo controle preventivo é prévio. Tal assertiva parece estar sendo ignorada atualmente. Verifica-se crescente movimento de restabelecimento do controle prévio, anterior à eficácia do ato administrativo, impulsionado, sobretudo, por movimento de auto expansão do TCU e pela jurisprudência do STF — que, a pretexto de estimular a prevenção, tem aberto portas para controle de contas prévio sem base legal.
Reforçam essa constatação: (i) o controle prévio exercido pelo TCU na fase interna das licitações relacionadas às desestatizações (instituído por ato normativo interno, a IN nº 81/2018); e (ii) o reconhecimento, pelo STF, de um suposto poder geral de cautela do TCU, que o habilitaria a adotar, a qualquer tempo, a medida de urgência que lhe parecesse adequada.
Nesse aspecto, a Lei nº 14.133/2021 pode servir como norte. A interpretação sistemática de seu art. 169 indica que o controle preventivo não habilita o TCU a exercer controle prévio, isto é, a expedir comandos a respeito de atos administrativos ainda não editados. A isso se soma a previsão do art. 171, §1º, que reforça o caráter excepcional e limitado da intervenção acautelatória dos tribunais de contas em licitação, impondo às cortes um prazo para apreciação definitiva da matéria que ensejou a suspensão do certame.
O modelo de controle posterior da CF/88 na prática tem sido corroído pelo movimento de auto expansão do TCU, que é alimentado por uma jurisprudência do STF pouco aderente às normas. Costuma-se justificar o alargamento de fato do controle de contas prévio com a alegação de que ele seria necessário para dar segurança jurídica ao gestor. Mas como o exercício de uma competência oca, apoiada no vazio normativo e em jurisprudência rarefeita, poderia trazer segurança jurídica às principais contratações públicas do país?
[1] A respeito das competências cautelares do Tribunal de Contas da União e sua relação com o momento de exercício dos atos de controle, ver: LIMA, Diogo Uehbe. Competências Cautelares do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum, 2022.