Por Joana Batista – Sócia de Batista, Uchida, Uehbe, Advogados, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, professora de Direito Administrativo, membro-fundadora do Idasan e presidente da Comissão de Integridade do IBDA.

Duas mãos de executivo de camisa à esquerda e duas mãos de executivo de terno à direita puxam uma corda em sentidos opostos em referência a um cabo de guerra.
A formatação de bons projetos de infraestrutura é mandatória para atração de investimento privado

A experiência demonstra que longas disputas em torno de contratos administrativos em geral são uma espécie de perde-perde, não somente para as partes imediatamente envolvidas. Perde a administração pública, perde o particular, perde a sociedade, perde o usuário do serviço público envolvido e perde a administração da Justiça. Perde-se dinheiro, tempo, recursos públicos, perde-se em segurança jurídica e, portanto, em investimentos. Assim, qualquer iniciativa que pretenda abreviar essas demandas, é mais do que louvável.

Foi nesse contexto que, sem muito alarde, foi publicada a Portaria nº 142, de 29/04/2022, do Conselho Nacional de Justiça (“Portaria 142”), que cria o Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (“CRD-Infra”), responsável por conferir tratamento e solução para conflitos judiciais referentes, dentre outros, a empreendimentos públicos de infraestrutura.

Para o setor de infraestrutura, é uma Portaria extremamente importante, já que os conflitos que ela visa regular envolvem empreendimentos relevantes não só em termos de valor, como também quanto aos efeitos que produzem para a sociedade.

O objetivo do CRD-Infra é alcançar a autocomposição entre as partes do litígio judicial, sob a presidência e autoridade do CNJ, evitando os custos econômicos e sociais que as demoradas disputas que envolvem esses empreendimentos geram ao longo dos anos. Além disso, é uma forma, ainda que oblíqua, de se evitar o manejo constante de Suspensões de Segurança e Suspensões de Liminar que, além de representarem uma medida de força do Poder Público, podem causar grande prejuízo para quem com ele contrata, independentemente do regime de contratação.

A Portaria é aplicável apenas aos projetos de infraestrutura qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que estão previstos na Lei nº 13.334/2016:

  1.  empreendimentos públicos de infraestrutura em execução, ou a serem executados, por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta e indireta da União, assim entendidos a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante;
  2. os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
  3. as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização;
  4. as obras e os serviços de engenharia de interesse estratégico.

É digno de nota que não estamos tratando apenas de projetos e empreendimentos federais, já que a própria Portaria inclui no regime do CRD-Infra os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o que, em tese, pode resolver conflitos existentes em diversos segmentos da infraestrutura, tais como saneamento, iluminação pública, resíduos sólidos, ferrovias, etc, cuja competência seja municipal ou estadual.

Aliás, os próprios motivos expostos na Portaria explicitam a ideia de que, partindo da solução de conflitos relacionados ao setor de transportes, o Ministério da Infraestrutura promova a expansão da iniciativa de solução dos conflitos da Pasta para outros segmentos da infraestrutura nacional, sob sua influência.

Tratando-se de um regime que desloca uma disputa judicial (ou arbitral) do seu juiz natural, ainda que momentaneamente, é ele absolutamente excepcional e, como tal, a figura do presidente do CNJ, que é também o presidente do Supremo Tribunal Federal, tem um papel central e fundamental em sua estruturação.

Segundo a Portaria 142, a indicação de um caso concreto para atuação do CRD-Infra poderá ser feita de ofício pelo presidente do CNJ ou mediante solicitação a ele dirigida, oriunda exclusivamente do Ministro de Estado responsável pelo projeto, após a manifestação da Advocacia-Geral da União acerca da sua viabilidade.

Entendemos que, aqui, há uma lacuna na portaria, que deixou de prever a possibilidade de que o particular que contrata com a Administração Pública e que, portanto, executa o contrato sob disputa sofrendo os efeitos do litígio, possa indicar um caso concreto para submissão ao CRD-Infra. Esta iniciativa certamente promoveria segurança jurídica aos futuros contratos de parceria, além dos atualmente em curso. Não nos parece haver discrímen que validamente justifique esse tratamento diferenciado entre os parceiros público e privado de um contrato sob litígio.

O procedimento para resolução de uma disputa específica no âmbito do CRD-Infra pode se iniciar de ofício ou mediante solicitação direcionada ao Presidente do CNJ. É ele que analisará a sua viabilidade e decidirá sobre a atuação do Comitê em cada caso concreto. Em outras palavras, para que um caso seja submetido ao CRD-Infra compete exclusivamente ao Presidente do CNJ autorizar que assim se faça.

Competirá, então, ao CRD-Infra, relacionar os casos passíveis de tratamento e identificar os atores envolvidos; identificar os métodos adequados de resolução dos conflitos; estabelecer comunicação e cooperação com os órgãos envolvidos em cada conflito; solicitar pareceres técnicos dos órgãos convidados pelo CRD-Infra para a tomada de decisão sobre as estratégias a serem adotadas pelo Comitê; e estabelecer um diálogo permanente com as autoridades judiciais com competência nos feitos apreciados pelo Comitê.

O Comitê funcionará quase como um facilitador do diálogo entre as partes envolvidas no conflito, com a autoridade do CNJ, em sessões que poderão ocorrer presencialmente ou por videoconferência. Uma espécie “sui generis” de Dispute Review Board em que o conflito entre as partes já está instalado e judicializado, mas a relevância do projeto demanda uma solução célere.

As reuniões do Comitê, segundo a Portaria, serão presididas pelo Presidente do CNJ, que poderá designar o Secretário-Geral do CNJ para exercer a função, podendo este, por sua vez, delegar a presidência das reuniões para um juiz togado Auxiliar por ele designado.

Alcançada a autocomposição, competirá ao juízo natural competente a homologação judicial de seus termos, extinguindo-se o litígio.

A iniciativa da criação do CRD-Infra é um passo importante para melhorar o diálogo entre os atores responsáveis pela infraestrutura nacional e vale observar o seu funcionamento daqui por diante para que aperfeiçoamentos e ampliações de escopo sejam devidamente avaliados.

Por Joana Batista – Sócia de Batista, Uchida, Uehbe, Advogados, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, professora de Direito Administrativo, membro-fundadora do Idasan e presidente da Comissão de Integridade do IBDA.

Homens trabalham em construção.
A formatação de bons projetos de infraestrutura é mandatória para atração de investimento privado

É consenso que o investimento em infraestrutura contribui de forma determinante para a redução da pobreza e o crescimento econômico de qualquer país. Se, de um lado, sabemos que a formatação de bons projetos de infraestrutura é mandatória para atração de investimento privado, de outro sabemos também que o Estado brasileiro não detém os recursos humanos e materiais para executá-los de modo a suprir a grande necessidade do país, o que torna indispensável a participação da iniciativa privada também na modelagem dos projetos.

Para que um projeto seja sustentável, especialmente do ponto de vista do investidor privado, é preciso previsibilidade. Quem investe quer quantificar seus riscos, o que somente se faz possível num ambiente em que se possa prever minimamente o que acontecerá ao longo da relação contratual que, nos casos das concessões, pode durar algumas décadas.

Sem a pretensão de esgotar neste artigo todas as premissas estruturais para que tenhamos bons projetos de concessão e, por conseguinte, bons contratos e bons serviços oferecidos à população, levantamos alguns pontos que nos parecem essenciais para fortalecer a participação privada nos investimentos de médio e longo prazo no setor de infraestrutura com reflexos positivos para o ambiente de negócios.

1) Participação cada vez mais aberta e institucionalizada do público e do privado na elaboração e nas discussões dos projetos, a exemplo dos procedimentos de manifestação de interesse e outras formas de diálogo privado com a Administração Pública. É, também, o caso do diálogo competitivo, nova modalidade de licitação incluída pela Lei nº 14.133/21, e aplicável às concessões, por meio do qual se pretende identificar soluções inovadoras para as necessidades públicas, a partir da contribuição dos particulares. Certo é que, ao dialogar com a iniciativa privada, o gestor público obtém a ajuda que precisa para encontrar as soluções para os problemas que a população enfrenta, define o escopo do que é necessário desde a concepção do projeto, e obtém maior clareza sobre os contornos do serviço a ser prestado. É preciso também reconhecer que quanto mais próxima e transparente for a relação entre o privado que elabora os estudos e projetos e o ente público que é o titular do serviço a ser prestado pelo particular, menor será a assimetria de informação do próprio ente público acerca dos projetos gerados e maior sua contribuição para um contrato bem-sucedido no futuro. Para que isso aconteça, é fundamental superar o “direito administrativo do medo” [1] e compreender que a premissa das relações entre público e privado é a boa-fé para que se atinjam objetivos comuns, dentro de um padrão de institucionalidade.

2) Audiências públicas são importantes, mas num formato que de fato viabilize a discussão sobre os projetos e soluções, propiciando as mudanças necessárias. Muitas vezes as audiências públicas são utilizadas como instrumento meramente político-eleitoral por agentes do governo ou da oposição, e outras vezes são realizadas apenas para “cumprir tabela” sem que as discussões efetivamente ocorram. Órgãos de controle devem participar, assim como os stakeholders em geral, de modo que toda as ideias sejam postas à prova para que a concepção do projeto seja a mais próxima do ideal com a maior previsibilidade possível e menor necessidade de alterações futuras.

3) Garantia de independência técnica das agências reguladoras. Precisamos entrar na era da regulação efetiva, técnica e eficiente. Os projetos de infraestrutura ficam menos assertivos quando não há independência técnica na regulação setorial e isso geralmente ocorre como reflexo da pressão de agentes políticos e também de agentes privados sobre os reguladores. Por óbvio, a falta de independência não combina com relações jurídicas de longo prazo como ocorre com as concessões, cujos contratos podem vigorar por algumas décadas. Em contrapartida, quanto mais técnica for a atuação do regulador, mais previsíveis serão os atos que ele pratica; quanto mais previsível for esta atuação, menos riscos precisarão ser contingenciados no preço pelo contratado, impactando de forma virtuosa todo o ciclo da concessão, ou seja, desde o projeto até a efetiva prestação de serviços ao usuário.

4) Atuação mais contida e previsível do controlador. Não se questiona a importância dos órgãos de controle interno e externo para a boa condução dos contratos administrativos. Contudo, temos observado atualmente a absoluta falta de regramento e de certeza sobre os limites da competência dos órgãos controladores. Do mesmo modo, também não são claros os limites do exercício do próprio poder de controle, que muitas vezes é feito sem a oitiva do contratado e em decisões apressadas, com caráter cautelar, antes mesmo do aprofundamento da matéria, por meio do efetivo estabelecimento do contraditório. Esse tipo de atuação deletéria desbalanceia a relação contratual e afasta os investidores que se veem sem saída numa relação de longo prazo, que pode ser alterada a qualquer tempo por um terceiro cuja competência sequer é delimitada, muito menos em bases claras seguras.

5) Matriz de riscos equilibrada e clara. Tema central nos contratos de concessão é a definição de sua matriz de riscos. Quanto mais pensada e discutida for essa matriz, mais previsível será a relação jurídica contratual e as partes terão mais segurança para lidar com os riscos identificados. Os contratos de concessão, justamente por serem complexos, sempre tiveram essa premissa, mas a Lei 14.133/21, ao trazer expressamente essa necessidade para os contratos de grande vulto, deixa ainda mais clara a necessidade da prévia pactuação da distribuição de riscos, mediante alocação de responsabilidades pelos ônus financeiros que ocorrerem durante a relação jurídica entre as partes. Esta alocação definida já no início do contrato formaliza as condições de equilíbrio econômico-financeiro a que se submeterão as partes, trazendo mais previsibilidade e, por consequência, menos necessidade de contingenciamento de riscos que acabe por onerar o contrato desproporcionalmente.

6) Previsibilidade nas revisões dos regulamentos setoriais. Regulamentos setoriais são importantes porque conferem balizas objetivas para todos os envolvidos na relação contratual, mas justamente por isso suas alterações periódicas devem conversar com a garantia de não surpresa e de estabilidade que um contrato de longo prazo exige. Uma forma de endereçar o assunto é definir previamente os períodos e prazos em que serão feitas as revisões desses regulamentos com ampla participação dos interessados e do mercado. Essa simples medida possibilitaria maior estabilidade para os stakeholders ao longo do contrato.

7) Marcos legais seguros. No setor de infraestrutura, cujos diversos segmentos passaram por alterações importantes ao longo dos últimos anos, a consolidação dos marcos legais, com a substituição de regramentos obsoletos, acaba não só por conferir segurança, o que afeta a financiabilidade dos projetos, como também por estimular novos investimentos. Um bom exemplo se deu com a aprovação do Marco Legal do Saneamento, que deu ânimo para o segmento, impulsionando novos investimentos. Espere-se que o mesmo ocorra, por exemplo, nos segmentos de ferrovias, energia elétrica, gás e petróleo. O estabelecimento de regras simples, claras, oriundas de processo legislativo em que haja discussão com o setor privado certamente é uma forma de melhoria do ambiente de negócios.

8) Estrutura de garantias adequada para atrair novos investidores. Projeto bom é aquele financiável, com matriz de risco equilibrada e estrutura de garantia adequada. Esse é o tipo de projeto que o mercado deseja, mas muitas vezes a estrutura de garantias exigida pelo Poder concedente ou pelos financiadores (especialmente públicos) inviabiliza a entrada de novos players no setor, que certamente diversificariam o mercado diluindo o risco de concentração e gerando um ciclo virtuoso de competição. O grande receio, principalmente nos casos de concessões precedidas de obras públicas de grande vulto está no risco de performance. Embora a nova lei de licitações e contratos represente um estímulo legal à utilização do seguro-garantia para os contratos de grande vulto, e tenha previsto figuras interessantes como o step-in em caso de inexecução, o mercado ainda anseia pelo desenvolvimento de produtos mais eficientes que potencializem a financiabilidade dos projetos de infraestrutura com menor impacto no custo do projeto.

9) Sustentabilidade ambiental, impacto social e governança (ESG). O setor de infraestrutura não é indiferente ao chamado “capitalismo consciente”. O mercado já enxerga os pilares ESG como fundamentais para a perenidade dos investimentos. Portanto, projetos de infraestrutura que (1) nasçam com foco na preservação do meio ambiente, na proteção dos recursos naturais, mitigação de impactos ambientais, que (2) busquem o impacto positivo na sociedade e nas comunidades em que atuem e que (3) sejam produzidos mediante conduta corporativa ética com adoção de boas práticas de governança terão mais facilidade na captação de recursos no Brasil e no exterior.

De fato, embora simples e factíveis, tais premissas pressupõem uma efetiva mudança de paradigma na relação público-privada e nos contratos dela derivados. A nosso ver, são elas que poderão impulsionar a participação do mercado privado na elaboração de bons projetos, geradores de contratos de concessão que sejam seguros e eficazes para todos os envolvidos, culminando na melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à população, com tarifas adequadas.


[1] Expressão cunhada no título do recém-lançado livro de Rodrigo Valgas, “Direito Administrativo do Medo”, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2020.

Por Diogo Uehbe – Sócio de Batista, Uchida, Uehbe, Advogados e Mestrando em Direito Administrativo pela PUC/SP

MP 1065 acende debate entre Executivo e Legislativo sobre o novo regime.

Na edição extra do DOU de ontem, dia 30/08, foi publicada a Medida Provisória nº 1.065 (MP 1065), que apresenta o tão aguardado novo marco legal para o setor ferroviário. Curiosamente, também na data de ontem, o Senador Jean Paul Prates, atual relator do Projeto de Lei do Senado nº 261 (PLS 261/2018), apresentou novo parecer e nova versão do texto do referido projeto de lei que, de uma forma geral, aborda as mesmas matérias tratadas nas MP 1065.

O conteúdo de ambos envolve regramento de fundamental importância para o setor, cuja evidente urgência não foi suficiente para viabilizar a célere discussão e aprovação do PLS 261. Acredita-se que agora, com a edição da MP 1065, o tema ganhe o devido destaque e atenção, rumo a uma definição.

A MP 1065 traz alguns pontos interessantes, para além dos aspectos já destacados e abordados em artigo de nossa autoria[1], a respeito do PLS 261. Entre eles, destacamos algumas disposições e inovações sobre (i) o Programa de Autorizações Ferroviárias; (ii) o regramento das autorizações para a exploração de ferrovias sob regime de direito privado; (iii) a cisão e a adaptação de trechos concedidos para adoção do modelo de autorização; e (iv) as ferrovias registradas, inteiramente privadas.

A seguir, traçamos alguns breves comentários sobre esses itens.

PROGRAMA DE AUTORIZAÇÕES FERROVIÁRIAS

A MP 1065 estabelece um Programa de Autorizações Ferroviárias, que preconiza, dentre outros aspectos, a cooperação entre os diversos entes federativos e a interlocução com o setor produtivo (art. 42, §1ª, I e II), bem como a estabilidade das políticas públicas do setor ferroviário e a segurança jurídica (art. 42, §2º, I e III).

Entre os objetivos declarados do programa, destacam-se a ampliação da competição intra e intermodal e a busca de sinergia entre o interesse público inerente ao segmento ferroviário e o setor privado, visando aumentar a atratividade dos projetos e reduzir riscos (art. 42, §3º, V e VI).

AUTORIZAÇÕES

Prazo:  99 (noventa e nove) anos, prorrogáveis por períodos iguais e sucessivos, desde que a infraestrutura esteja em operação e haja manifestação prévia e expressa de interesse do autorizatário (art. 6º, §1º, I e II).

Critérios para apreciação do requerimento de autorização: ao apreciar o requerimento de autorização, o Ministério da Infraestrutura analisará a convergência do projeto com a política nacional de transporte ferroviário (art. 7º, §2º, I, §5º, II) e, com o suporte da ANTT, avaliará a compatibilidade locacional do projeto com outras infraestruturas implantadas ou outorgadas (art. 7º, §3º).

Pela redação apresentada, verifica-se que haverá um razoável espaço de discricionariedade para apreciação do requerimento[2], com a consideração, pela ANTT, do impacto que a ferrovia a ser autorizada produzirá também em outros modais.

Cabimento do chamamento público: realizado a qualquer tempo, por iniciativa do Ministério da Infraestrutura, tendo por objeto a autorização de ferrovias não implantadas, sem operação, em processo de devolução ou desativação, outorgadas a empresas estatais (exceto as subconcedidas), além daquelas consideradas ociosas (art. 9º).

Pagamento de outorga e processo seletivo público: edital do chamamento público deve indicar contrapartida mínima, inclusive a possibilidade de pagamento de outorga (art. 10, III).

Havendo mais de um interessado, a ANTT disciplinará processo seletivo público (art. 11, II), que terá, como critério de julgamento, o maior lance (incluída a possibilidade de pagamento de outorga), observados, em qualquer hipótese, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 11, parágrafo único).

Formas de extinção da autorização[3] – Cassação na hipótese de não obtenção de licenças: na MP 1065, a cassação é o instituto que consolida as hipóteses de extinção da autorização por faltas imputáveis ao autorizatário (art. 13, §3º). A ele, é acrescida a hipótese de extinção pela não obtenção de licenças em prazos determinados: prévia, no prazo de três anos; de instalação no prazo de 5 (cinco) anos; e de operação, no prazo de 10 (dez) anos (art. 13, §4º).

Tal disposição reforça ainda mais a importância que será dada ao cumprimento, pelo autorizatário, dos cronogramas pactuados, com vistas à efetiva implantação da ferrovia autorizada (art. 6º, §3º, art. 7º, §1º, d, art. 12, III).

CISÃO, ADAPTAÇÃO E REEQUILÍBRIO DE CONCESSÕES

Cisão de concessões e permissões: possibilidade de cisão de trechos que fazem parte concessões ou permissões, para que sejam outorgados posteriormente, sob o modelo de autorização, sendo vedada a participação do anterior concessionário/permissionário, resguardados os direitos destes com relação a eventuais ressarcimentos (art. 9º, §3º e §5º).

Adaptação de concessões para o modelo de autorização: possibilidade de adaptação do contrato de concessão, convertendo-o em autorização, por requerimento da concessionária, nos casos em que uma outra ferrovia autorizada entrar em operação, afetando o mercado competitivo.

Tal requerimento deverá ser submetido a uma ampla avaliação técnica, e a adaptação somente será deferida se não houver inadimplência por parte da concessionária requerente e se o futuro contrato de autorização assegurar a manutenção das obrigações financeiras e de investimentos já assumidas (art. 34, art. 35, IV).

Trata-se de regramento que tem o propósito de mitigar os impactos da assimetria regulatória inevitável entre os regimes de concessão e autorização, sem, no entanto, deixar de estimular um ambiente competitivo no setor[4].

Reequilíbrio como solução alternativa: a concessionária afetada pela operação de nova ferrovia autorizada poderá requerer, alternativamente, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que poderá se dar por redução do valor da outorga, aumento do teto tarifário, supressão das obrigações de investimentos e indenização (art. 35, I, II, III, IV e VI).

FERROVIAS REGISTRADAS

A MP 1065 apresenta, ainda, um modelo de ferrovias inteiramente privado, aplicável às ferrovias particulares localizadas exclusivamente em áreas privadas. Nessas hipóteses, exige-se tão somente o registro junto à ANTT, a qual exercerá as funções de regulação e fiscalização relativamente a questões de trânsito e segurança (art. 17, parágrafo único).

Nesse cenário, espera-se que a “coexistência” da MP 1065 e do PLS 261/2018 não transforme a esperada regulamentação do setor ferroviário em uma queda de braço entre Executivo e Legislativo, mas, sim, que proporcione o enriquecimento do debate, resultando em um marco legal de consenso, que melhor atenda ao interesse público.


[1] Disponível em: https://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-ferrovias-privadas-o-que-esperar-do-novo-marco-regulatorio/

[2] O texto proposto no PLS 261/2018, conforme o mais recente parecer do Relator, parece ser mais restritivo nesse ponto (art. 22, §5º).

[3] O PLS 261/2018 prevê ainda a caducidade, o que, a nosso ver, prejudica a clareza do texto e das hipóteses reguladas, podendo gerar ambiguidades com relação à cassação. O PLS/2018 prevê ainda o decaimento, hipótese inexistente na MP 1065 – o que, em nosso entender, fortalece o modelo de autorização, garantindo-lhe maior estabilidade e segurança jurídica.

[4] O texto proposto no PLS 261/2018, conforme o mais recente parecer do Relator, estabelece direito de preferência do concessionário em obter autorizações para novos trechos localizados dentro da área de influência da sua concessão ferroviária preexistente (art. 3º, III, art. 63).

Nosso sócio Diogo Uehbe publicou na Revista Forum Administrativo (ed. 240), interessante artigo em que reflete sobre a possibilidade de delegação para particulares do poder de polícia administrativo.
Convidamos todos a conhecer a publicação no link abaixo.

https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6782292240665493504/

Artigo do sócio Diogo Uehbe Lima

1. Direito administrativo globalizado e integração regulatória no mercado de valores mobiliários.

Mudanças no direito interno têm sido impulsionadas pela necessidade nacional de integração ao mercado mundial, especialmente para atração de investimentos estrangeiros como meio (politicamente escolhido) para a promoção de desenvolvimento socioeconômico. Nesse cenário, a perseguição da redução ou mesmo eliminação de diferenças regulatórias específicas do nosso sistema jurídico, visando a uma integração à ordem “econômica mundializada”, tem proporcionado uma profunda alteração no direito administrativo brasileiro[1].

Nesses termos, embora nos pareça inapropriado falar-se em um “direito administrativo global[2] – tendo em vista sobretudo a ausência de força vinculante das diretrizes construídas pelas entidades transnacionais (soft law) –, não se pode ignorar o fato de que muitas dessas políticas vêm sendo acolhidas e implementadas nos direitos domésticos por meio das tradicionais fontes do direito e também no plano infralegal[3], mesmo que com nuances próprias das opções políticas e administrativas de cada país. Por essas razões, talvez soe mais adequado designar esse fenômeno de “recepção normativa” como um “direito administrativo globalizado[4].

As organizações internacionais, cujas deliberações não possuem caráter vinculante, proporcionam, portanto, espaços de discussão voltados à definição de temas centrais comuns aos diversos países, por meio de diretrizes, princípios gerais e recomendações que guiam os estados nacionais na produção do direito doméstico[5].

Um bom exemplo para ilustrar esse cenário é o da Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários (International Organization of Securities Comissions – IOSCO), fundada em 1983 e que atualmente conta com a participação de 226 membros[6]. Trata-se de entidade voltada à discussão e promoção de diretrizes regulatórias destinadas a proporcionar um ambiente mais seguro e eficiente nos mercados de valores mobiliários. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM)[7] brasileira é membro fundador da entidade, participa do seu Conselho Diretivo (IOSCO Board) e de outros comitês e, desde 2009, é signatária do Memorando Multilateral da IOSCO (MMoU), que trata de medidas de cooperação internacional dedicadas à promoção da conformidade (compliance) e efetiva aplicação (enforcement) das normas regulatórias, inclusive com o compartilhamento de informações[8].

A busca por tal integração, ademais, é prevista na própria Lei n.º 6.385/1976, com as alterações propostas pela Lei n.º 10.303/2001:

Art. 10. A Comissão de Valores Mobiliários poderá celebrar convênios com órgãos similares de outros países, ou com entidades internacionais, para assistência e cooperação na condução de investigações para apurar transgressões às normas atinentes ao mercado de valores mobiliários ocorridas no País e no exterior.       

§ 1º A Comissão de Valores Mobiliários poderá se recusar a prestar a assistência referida no caput deste artigo quando houver interesse público a ser resguardado.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, às informações que, por disposição legal, estejam submetidas a sigilo.   

Ainda no contexto regulatório do mercado financeiro, convém recordar que tanto na exposição de motivos da Medida Provisória n.º 784/2017 (MP 784)[9], quanto na justificativa do Projeto de Lei n.º 8.843/2017[10] – apresentado ante a iminente perda de eficácia da referida Medida Provisória e aprovado pelo Congresso Nacional, resultando na promulgação da Lei n.º 13.506/2017 –, as propostas de alteração no processo administrativo sancionador tinham entre seus objetivos justamente a adequação da regulação nacional às melhores práticas verificadas no plano internacional.

Nesse cenário, levando-se em conta também que, em grande medida, as diretrizes, as recomendações e os princípios gerais oriundos dessas entidades transnacionais são baseados em experiências regulatórias já existentes em alguns países – quando não são fruto da própria influência desses países sobre referidas organizações –, o estudo do direito comparado ganha ainda mais relevância.

Desse modo, a utilidade da comparação[11] com o regramento mantido pelos EUA se dá não apenas pela natural relevância socioeconômica do país e sua histórica proeminência no desenvolvimento do mercado financeiro[12], mas também ante a aproximação administrativa[13] e econômica proporcionada pela atuação de empresas multinacionais, o que frequentemente demanda intervenção conjunta dos órgãos reguladores dos dois países[14]. A própria abrangência da conceituação atual de “valores mobiliários” no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro se deve à influência estadunidense[15], o que já revela a importância da compreensão das práticas regulatórias naquele país.

2. CVM: termo de compromisso e acordo de supervisão.

No cenário nacional, a regulação do mercado de valores mobiliários[16] – estabelecida pela Lei n.º 6.385/1976 e pela Lei n.º 13.506/2017 – oferece duas hipóteses de sanções negociadas, das quais se pode valer o órgão regulador, no caso, a CVM: o Termo de Compromisso (inserido pela Lei n.º 9.457/1997, posteriormente substituído pelas alterações da Lei n.º 13.506/2017) e o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão (inserido pela Lei n.º 13.506/2017).

Antes de nos aprofundarmos no tema, contudo, cabem algumas breves palavras sobre o órgão regulador de que se cuida. A CVM é “entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária” (art. 5º, Lei n.º 6.385/1976).

Entre suas competências (definidas precipuamente nos artigos 8º e 9º do mesmo diploma) estão a fiscalização das atividades e dos serviços do mercado de valores mobiliários (art. 8º, III), a fiscalização e inspeção das companhias abertas (art. 8, IV) e a apuração, por meio de processo administrativo, de infrações eventualmente praticadas por administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, intermediários e demais participantes do mercado (art. 9º, V), podendo aplicar penalidades aos infratores, sem prejuízo a outras searas de responsabilização, em especial civil ou penal (art. 9º, VI). Interessante notar, ainda, que a CVM é competente para apurar e punir condutas fraudulentas no mercado de valores cujos efeitos ocasionem danos a pessoas residentes no Brasil, ainda que tenham ocorrido fora do território nacional (art. 9º, §6º, I)

O legislador habilitou a CVM a utilizar um rol de medidas que lhe conferem um amplo poder de cautela[17], com possibilidade de cominação de multa em caso de descumprimento de suas proibições (art. 11, §11º).

Quanto às sanções administrativas por descumprimento da lei em exame, da Lei n.º 6.404/1976 (Lei das S/A), das resoluções da própria CVM ou de outras normas legais cujo cumprimento caiba à CVM fiscalizar, referida autarquia pode aplicar, isolada ou cumulativamente, as penalidades de advertência; multa; “inabilitação temporária para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários”; suspensão da autorização ou registro para o exercício das atividades reguladas pela Lei n.º 6.385/1976; inabilitação temporária para o exercício das referidas atividades; “proibição temporária (…) de praticar determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro na Comissão de Valores Mobiliários”; “proibição temporária (…) de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários”; e, adicionalmente, proibição dos “acusados de contratar com instituições financeiras oficiais e de participar de licitação que tenha por objeto aquisições, alienações, realizações de obras e serviços e concessões de serviços públicos, no âmbito da administração pública federal, estadual, distrital e municipal e das entidades da administração pública indireta” (art. 11, caput, inc. I a VIII, e §13).

Inovação relevante trazida pela Lei n.º 13.506/2017 foi a significativa elevação do limite da multa a ser fixada pela CVM, de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), podendo ser aumentada em até 3 (três vezes) em casos de reincidência (nos termos da atual redação do art. 11, §1º, inc. I a IV, e §2º, da Lei n.º 6.385/1976). De se destacar também a prioridade dada à reparação dos investidores e demais lesados pelo ilícito, fixando-se a subordinação do crédito decorrente da multa aplicada, diante de outros créditos de natureza indenizatória (art. 11, §14 e §15).

Por fim, ainda quanto às sanções, o legislador estabeleceu com clareza a exigência da observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade na fixação das sanções, bem como da consideração da própria capacidade econômica do infrator e sua cooperação com a autarquia, restringindo a aplicação de determinadas sanções a hipóteses de infração grave[18] ou de reincidência (art. 11, §1º, §3º e §9º).

A regra geral nos processos sancionadores instruídos pela CVM é a publicidade (art. 8º, §2º e art. 9ª, §5º)[19], admitindo-se o sigilo apenas em casos excepcionais, em que este seja “imprescindível para a defesa da intimidade ou do interesse social, ou cujo sigilo esteja assegurado por expressa disposição legal”. 

Admite-se o sigilo, ainda, quando este for necessário à elucidação dos fatos investigados ou exigido pelo interesse público (art. 9º, § 2o) – concluindo-se pela presença de indícios de prática de crime de ação penal pública, a CVM deve oficiar o Ministério Público (MP) para a propositura da ação penal (art. 12). De outro lado, o interesse público também é apontado como requisito para a divulgação da instauração do procedimento investigativo (art. 9ª, §3º).

Estabelece-se, ainda, em clara aderência ao princípio da eficiência, a priorização, pela autarquia, da investigação e processamento das infrações de maior gravidade, cuja punição “proporcione maior efeito educativo e preventivo para os participantes do mercado”. A CVM pode até mesmo deixar de instaurar o processo administrativo sancionador quando a conduta infracional for pouco relevante e a lesão dela decorrente tiver baixa expressividade, sendo-lhe franqueada a utilização de outros instrumentos e medidas de supervisão que julgar mais efetivos. (art. 9º, § 4o) – trata-se de mais uma novidade trazida pela Lei n.º 13.506/2017. 

Estabelecidos os contornos da atividade sancionadora da CVM que julgamos relevantes para o foco desse trabalho, podemos então passar ao exame do primeiro instrumento de solução consensual disponível à referida autarquia e seus regulados, o Termo de Compromisso (TC).

A celebração desse ajuste tem, entre seus requisitos, a ausência de decisão administrativa em primeira instância, bem como a conveniência e oportunidade da solução consensual, a juízo (discricionário, portanto[20]) da CVM. Seu conteúdo pressupõe (i) a assunção, pelo regulado, da obrigação de cessar a prática dos atos reputados ilícitos; e (ii) a correção das irregularidades apontadas, inclusive com a indenização de terceiros prejudicados. Entre os efeitos dessa solução consensual, destacam-se (i) a não instauração ou suspensão do processo sancionador; (ii) a não caracterização de “confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada” (art. 11, §5º, I, II, e §6º); e (iii) a suspensão da prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública Federal (art. 56 da Lei n.º 13.506/2017 c/c Lei n.º 9.873/1999).

A lei exige seja dada ampla publicidade ao TC, obrigando que o instrumento seja divulgado no próprio site da CVM, com a indicação dos prazos para cumprimento das obrigações. O TC, ainda, constitui título executivo extrajudicial e, em caso de descumprimento por parte do particular, o processo sancionador será retomado, para a aplicação das penalidades cabíveis (art. 11, §7º e §8º).

O outro instrumento de penalização consensual no âmbito da CVM é o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão (Acordo de Supervisão ou APS), criado pela Lei n.º 13.506/2017. Trata-se de solução consensual aplicável aos processos sancionadores no âmbito do Banco Central do Brasil e, por extensão autorizada pelo art. 34 do referido diploma, cabível também na seara de atuação da CVM, a quem se reserva a regulamentação do procedimento para a adoção da medida em sua esfera de competência.

A celebração do APS tem como requisitos (i) a confissão da infração apontada; (ii) a cessação do envolvimento na conduta investigada a partir da data de propositura do acordo; (iii) ausência de provas suficientes à disposição da CVM para a condenação administrativa dos envolvidos na conduta ilícita investigada e relatada (art. 30, caput, §2º). Importante destacar que a rejeição da proposta de APS formulada pelo particular afasta qualquer confissão quanto à matéria de fato ou reconhecimento da ilicitude da conduta apurada (art. 31, §1º).

O conteúdo do APS, por sua vez, deve delimitar as condições para a concessão dos benefícios ao particular. Quanto às condições, a lei exige do particular, além da atuação com boa-fé na execução do acordo, “a efetiva, plena e permanente cooperação” para a apuração dos fatos, que ofereça alguma utilidade para o processo sancionador, incluindo a “identificação dos demais envolvidos na prática da infração, quando couber”, e a “obtenção de informações e de documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação” (art. 30, I e II, e §2º, IV, e art. 32, inc. I a III).

Os benefícios variam desde a redução da sanção aplicável em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) até o afastamento completo de qualquer penalidade (art. 30, caput) [21]. Para as pessoas jurídicas que não forem as primeiras a buscarem a CVM com o objetivo de relatarem determinada conduta ilícita sob investigação, o abrandamento da sanção deve se limitar à redução em até 1/3 (um terço) da penalidade aplicável (art. 30, §3º e §4º)[22]. Uma vez declarado o cumprimento do APS, os efeitos estipulados consensualmente devem ser aplicados, com a concessão dos benefícios negociados (art. 32, §1º).

Assim como ocorre no TC, a celebração do APS suspende o prazo prescricional da pretensão sancionadora (art. 30, §5º) e, em caso de descumprimento do ajuste, “o beneficiário ficará impedido de celebrar novo acordo administrativo em processo de supervisão pelo prazo de 3 (três) anos” (art. 32, §2º).

Diferentemente do TC, o APS oferece algumas restrições à sua publicidade. Primeiro, a proposta de APS será mantida em sigilo até que o acordo seja efetivamente celebrado (art. 30, §1º), devendo ser publicado, no entanto, no prazo de 5 (cinco) dias após sua assinatura (art. 31)[23].

Por fim, a regulação do APS apresenta uma série de disposições a respeito do compartilhamento de informações e cooperação da CVM com o MP[24]. Primeiro, assegura-se que a celebração do acordo não afetará a atuação do MP e demais órgãos no âmbito de suas respectivas competências (art. 30, §6º). Demais disso, estabelece-se que o sigilo da proposta de APS não será oponível ao MP quando a CVM verificar, pela proposta oferecida, a efetiva ocorrência ou mesmo a mera presença de indícios da prática de crime (art. 31, §2º, da Lei 13.506/2017 c/c art. 9º, da Lei Complementar n.º 105/2001).

O diploma legal em análise também assegura ao MP (art. 31, §3º), a possibilidade de “requisitar informações ou acesso ao sistema informatizado” da CVM sobre os APS que esta tenha firmado, sem que lhe seja oponível sigilo, cabendo à CVM a manutenção de “fórum permanente de comunicação” com o MP, por meio de acordo cooperação técnica – e, nisso, referencia-se, mais uma vez, a Lei Complementar n.º 105/2001 (art. 31, §4º).

Esclarece-se, ainda, que o procedimento para apresentação, negociação, celebração e cumprimento do TC e do APS são definidos na Instrução CVM n.º 607/2019, que detalha ainda outros aspectos formais e materiais para a adoção dessa solução consensual. Entre os dispositivos da referida Instrução, destaca-se a previsão da possibilidade de extensão dos efeitos do APS a empresas do mesmo grupo econômico e aos (ex-)dirigentes, (ex-)administradores e (ex-)empregados da empresa signatária, desde que firmem instrumento de adesão ao APS, ainda que em momento posterior. O inverso, no entanto, não se aplica, sendo vedada a extensão do APS à pessoa jurídica quando o acordo tiver sido firmado pelas pessoas físicas acima referidas (art. 101, §5º, 6º e 7º).

De uma maneira geral, parece clara a distinção entre os dois instrumentos (TC e APS). O primeiro destina-se a solução de casos menos complexos, envolvendo infrações de gravidade menor, o que justificaria a tolerância ao afastamento da aplicação de qualquer das sanções administrativas disponíveis à CVM. Embora nos pareça discutível afirmar simplesmente que o TC substitui a aplicação de sanção – como se ele próprio não fosse resultado de um exercício do poder sancionador da CVM, que optaria, ainda que pela via consensual, pela priorização do cumprimento de determinadas obrigações que, sob a perspectiva do particular, não perdem o caráter impositivo e restritivo a sua esfera de direitos –, não seria errado dizer que o TC se aproxima dos chamados “acordos substitutivos de sanção[25].

O APS, por seu turno, é um instrumento consensual a ser considerado na decisão sancionadora final a ser produzida no processo administrativo, no qual o referido acordo foi firmado. Compõe, assim, o grupo dos chamados “acordos integrativos[26]. Trata-se de ferramenta fortemente inspirada no modelo dos acordos de leniência previsto na Lei n.º 12.529/2011 (art. 86 e 87) – na redação original da própria MP 784, que inspirou a Lei n.º 13.506/2017, essa modalidade de ajuste se chamava “acordo de leniência”, inclusive. Merece nota, ademais, o fato de que a Instrução CVM n.º 607/2019 traz, para o APS, regramento muito semelhante ao programa de leniência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Não à toa, a despeito do preciosismo da distinção terminológica adotada na legislação[27], a doutrina se refere ao APS pura e simplesmente como “acordo de leniência[28] ou “leniência financeira”, uma vez que a “lógica subjacente” do instituto é inegavelmente semelhante[29].

Cabe, por fim, relatar algumas críticas, dentre as muitas feitas pela doutrina, sobre o regramento dessas soluções consensuais. A primeira delas refere-se à potencial multiplicidade de entes públicos com competência sancionadora a respeito de um mesmo fato, que eventualmente seja levado ao conhecimento da CVM, especialmente por meio do APS, instrumento que pressupõe a confissão.

Alega-se que a ampla obrigatoriedade de compartilhamento de informações, documentos e cooperação da CVM com o MP[30], associada à exigência da confissão no APS, pode simplesmente inviabilizar o instituto[31]. Faz-se necessário, portanto, um aprimoramento regulatório para viabilizar a atuação concertada da CVM com os demais entes sancionadores, em especial o MPF, a fim de que seja oferecida alguma segurança jurídica ao proponente do APS, sob pena de se promover uma espécie de “fuga” dos interessados para o TC – instrumento consensual de menor utilidade para a revelação e combate a ilícitos complexos[32]. Sustenta-se, ainda, que a ausência de previsão expressa de benefícios em outras esferas, sobretudo no âmbito penal, a partir da celebração do APS, pode ser um entrave à viabilização do instrumento[33].

Não se ignora a preexistência de certa experiência institucional na atuação coordenada desses entes (CVM e MP[34]), inclusive com a celebração conjunta dos chamados “Termos de Compromisso e Ajustamento de Conduta[35] – muitos deles, porém, curiosamente firmados antes do advento da Lei n.º 13.506/2017[36]. O fato é que, ao menos a partir dos Relatórios de Atividade Sancionadora trimestralmente divulgados pela CVM[37], ainda não se tem conhecimento sobre a efetiva celebração de APS, já após cerca de 3 anos de vigência da Lei n.º 13.506/2017 – o que talvez seja um indicativo quanto à necessidade de reavaliação do regramento desse instituto.

Um derradeiro comentário sobre os instrumentos consensuais no âmbito da competência sancionadora da CVM volta-se ao problema da discricionariedade no ato pelo qual a autarquia acolhe ou rejeita as propostas de TC ou APS. Trata-se de crítica que já era feita pelo Ministério Público Federal à época de vigência da MP 784[38] e que não perdeu seu objeto com o advento da Lei n.º 13.506/2017.

A necessidade de certa flexibilidade normativa para a atuação do regulador não dispensa, a nosso ver, a exigência de parâmetros mais objetivos para identificação dos critérios previamente definidos quanto à aceitabilidade ou não das propostas de TC e APS. A Instrução CVM n.º 607/2019 pouco avançou nessa matéria[39], não tendo adensado significativamente a vaga previsão legal. Uma regulação infralegal mais robusta e objetiva quanto a esse ponto pode ser um interessante aperfeiçoamento, viabilizando uma autolimitação da CVM com vistas a garantir maior previsibilidade aos particulares potencialmente interessados na solução consensual.

3. SEC: cooperation agreement (CA), deferred prosecution agreement (DPA) e non-prosecution agreement (NPA).

A Securities and Exchange Comission foi criada por meio do Securities Exchange Act, em 1934, no contexto do New Deal, após o crash da Bolsas de Valores de Nova Iorque em 1929, com a subsequente depressão econômica. Com referida alteração legislativa, a SEC assumiu as funções de fiscalização e regulação do mercado de valores mobiliários, antes exercidas pela Federal Trade Comission[40].

À SEC, atualmente, cabem a regulação (no plano infralegal), fiscalização e efetiva aplicação de diversas leis relacionadas ao mercado de valores mobiliários, entre as quais destacam-se Securities Act (1933) Trust Indenture Act (1939), Investment Company Act (1940), e Investment Advisers Act (1940). A SEC, ainda, é habilitada para atuar em casos relacionados à legislação falimentar e de recuperação de empresas, bem como para aplicação, na esfera cível e administrativa, do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA).

Entre suas competências, a SEC dispõe de significativo poder sancionador, podendo instruir processos administrativos punitivos[41] a serem julgados por um “juiz administrativo” (adminstrative law judge –ALJ), com possibilidade de revisão pelo colegiado da Comissão – cujas decisões são sindicáveis pelo Judiciário, ainda que observadas algumas limitações[42]. A SEC mantém órgão específico para sua atividade sancionadora administrativa e judicial (Division of Enforcement – DOE)[43].

Em 2010, essa competência foi ampliada por meio do Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act (Dodd-Frank Act), iniciativa legislativa resultante da crise financeira de 2008. Com referida alteração, à SEC foi permitida a persecução administrativa de empresas não registradas perante a Comissão – antes, para adotar qualquer medida contra essas corporações, a SEC precisava recorrer ao Judiciário. Essa mudança tem proporcionado um incremento no número de processos administrativos sancionadores no âmbito da SEC[44] e, nesse contexto, tem sido suscitada relevante discussão sobre a forma de nomeação dos ALJs, tendo em vista a relevância dos poderes conferidos a esses agentes[45].

As sanções aplicáveis pela SEC são bastante amplas e severas, mas não apresentam grandes diferenças – variam da aplicação de multa às restrições de direitos. Merece destaque, no entanto, a frequente atuação da agência perante o Judiciário, com o uso das chamadas injunctions – buscando ordens judiciais que, se violadas, ensejam penalidades ainda mais graves, inclusive na esfera criminal.

No que interessa ao objeto da análise comparativa desse artigo, vê-se que a SEC, no âmbito de sua competência sancionadora, confere extrema importância para as soluções consensuais, reconhecendo que tais medidas viabilizariam, mais rapidamente e a um menor custo, tanto a conformação de condutas à lei, como também a reparação dos investidores lesados, assegurando, portanto, maior efetividade e eficiência em sua atividade de enforcement[46].

Nesse sentido, a SEC mantém um robusto programa de cooperação[47], que teve em 2001 um primeiro marco em sua implementação, por meio do chamado Seabord Report. Nesse relatório, produzido a partir de um bem-sucedido caso de cooperação envolvendo uma companhia que estava sob investigação, a SEC expôs um elenco de critérios para a definição de uma cooperação corporativa efetiva e para a mensuração do benefício (abrandamento ou afastamento de sanções) que seria creditado à colaboração.  A despeito dessas especificações, a agência, no entanto, reservou expressamente sua discricionariedade nessa avaliação[48].

Somente a partir de 2010, contudo, a SEC estabeleceu de forma consolidada um conjunto de iniciativas com o objetivo de fomentar a cooperação em sua atividade sancionadora. Entre essas iniciativas sublinham-se (i) a adoção de instrumentos consensuais já amplamente utilizados pelo DOJ na esfera penal, como o DPA e o NPA, além dos acordos de cooperação; (ii) a busca por uma atuação coordenada e mais próxima ao DOJ, inclusive com a simplificação do processo de solicitação de imunidade penal para testemunhas relevantes; bem como (iii) a definição de uma política voltada às soluções consensuais também para pessoas físicas (Policy Statement)[49], cujos critérios, em grande medida, se assemelham àqueles estabelecidos no Seabord Report.

Nesse último ponto, é de se salientar que a SEC considera, de forma resumida, (i) a voluntariedade da cooperação (se esta decorre de ação espontânea ou se é desdobramento de obrigações assumidas em acordos firmados com outros entes); (ii) o momento em que se deu a iniciativa da colaboração (antes ou depois da ciência da SEC sobre a existência da conduta ilícita ou da intimação do investigado, por exemplo); (iii) a qualidade da cooperação (robustez e detalhamento de depoimentos e documentos fornecidos); (iv) os resultados alcançados com a cooperação, inclusive sua vantajosidade para a SEC (economia de tempo e recursos); (v) a importância da questão subjacente relativa aos fatos revelados no âmbito da cooperação (gravidade e dimensão do ilícito revelado e seu potencial lesivo); (vi) o interesse da sociedade em garantir que o indivíduo seja responsabilizado, incluindo-se critérios de culpabilidade e reprovabilidade da conduta, bem como seu comprometimento no ressarcimento de terceiros lesados; (vii) a adequação entre a potencial concessão de benefícios e o perfil de risco do colaborador (seu histórico de atuação e antecedentes, nível de aceitação da responsabilização, possibilidade de cometimento de futuras infrações em razão da profissão, ocupação ou cargo).

Segundo aponta a entidade, seu principal objetivo na busca pelas soluções consensuais é a proteção dos investidores, sendo esse o parâmetro que deve guiar o interesse público apto a justificar o fomento dessas cooperações. Nesse sentido, a SEC, de forma muito enfática, reserva sua discricionariedade na apreciação dessas medidas consensuais em seu âmbito de atuação, advertindo que sua avaliação é casuística, de modo que o conjunto de critérios acima resumidos podem ter pesos distintos a depender do caso individual e concreto que lhe seja submetido, razão pela qual sua política não implicaria o reconhecimento de nenhum direito exigível pelos particulares perante a SEC quanto a tais disposições.

 A despeito dessas amplas ressalvas que atenuam a autolimitação administrativa, vê-se que a SEC efetivamente pratica os critérios estabelecidos no Seabord Report e na Policy Statement[50], confirmando sua postura extremamente favorável à consensualidade em sua competência sancionadora – o que inclusive tem desafiado críticas[51].

As soluções consensuais na seara de atuação da SEC são instrumentalizadas por meio do cooperation agreement (CA), deferred prosecution agreement (DPA) e non-prosecution agreement (NPA)[52] – os dois últimos utilizados com menos frequência pela agência, teoricamente reservados para casos mais graves e complexos[53].

Comumente, os instrumentos devem ser tornados públicos e a cooperação com a SEC não necessariamente exige, como condição para a celebração dos acordos, uma confissão explícita e o reconhecimento integral dos fatos sob investigação – proíbe-se, no entanto, a adoção de postura adversarial por parte do colaborador, a quem é vedado refutar ou negar os fatos apresentados pela agência[54]. A confissão é usualmente exigida em casos graves e complexos, que eventualmente envolvam negociações também na esfera criminal, com o DOJ, a exemplo da celebração dos chamados plea agreements, cujo pressuposto é a admissão de culpa para fins de redução da pena.

O CA é um instrumento firmado entre a DOE e o potencial colaborador (preferencialmente pessoas físicas), disposto a cooperar com investigações e medidas sancionadoras empreendidas pela SEC. Por meio do CA, a DOE se compromete a recomendar à Comissão a concessão de benefícios em função da cooperação prestada. Para tanto, o particular deve concordar em contribuir verdadeira e integralmente com as investigações, assumindo uma série de obrigações nesse sentido. Se cumpridas tais obrigações, a DOE submeterá a recomendação favorável para a apreciação da Comissão. Se descumpridas, a DOE recomendará a adoção de penalidades contra o particular, sem qualquer limitação.

Embora a DOE possa fazer recomendações favoráveis ao colaborador, somente o colegiado da SEC tem competência para aprovar o acordo, estabelecendo seus efeitos – caracteriza-se, dessa forma como um acordo integrativo. Não há, portanto, no momento da celebração do acordo, segurança completa quanto à pena que será aplicada, sendo reservada significativa margem de apreciação para a DOE (ao fazer sua recomendação) e para o próprio colegiado (ao analisar a recomendação). A prática, no entanto, revela que é pouco usual o surgimento de significativas divergências entre DOE e SEC nessa matéria.

 Demais disso, como o CA não oferece proteção ao colaborador em outras esferas, a SEC se vale de uma ferramenta para expandir o âmbito da investigação e, também, da cooperação e dos benefícios concedidos (a depender do caso concreto). Trata-se da chamada cooperation letters (CL), uma espécie de carta de recomendação dirigida a outros entes sancionadores, inclusive ao Judiciário, por meio da qual se descreve e qualifica a cooperação prestada – o que pode eventualmente ensejar o abrandamento de sanções também em outras searas.

O DPA[55], por seu turno, é firmado diretamente pela Comissão (e não pela DOE para posterior submissão à Comissão) e o potencial colaborador (pessoa física ou jurídica). O DPA estabelece a postergação da adoção de medidas (judiciais, inclusive) contra o particular. Por meio do DPA, a SEC demanda judicialmente o particular e, simultaneamente, suspende o processamento da acusação – trata-se de instrumento sujeito à homologação judicial, portanto.

Nesse acordo é estabelecido um período de vigência (entre dois e cinco anos, normalmente) durante o qual o particular deverá cumprir uma série de obrigações para a cooperação e conformação de suas condutas à legislação – durante esse interregno, suspendem-se os prazos prescricionais das eventuais pretensões condenatórias.

Se violados os termos do DPA pelo colaborador, a Comissão poderá adotar medidas sancionadoras contra este tanto na esfera administrativa, quanto judicial, sem qualquer limitação, com severas restrições ao direito de defesa do particular – a SEC pode valer-se, inclusive, dos ilícitos admitidos e documentos disponibilizados pelo próprio colaborador.

O particular deve acordar, ainda, o pagamento de multa, perdimento da vantagem auferida, além de outras penalidades e o ressarcimento de terceiros, quando cabíveis. No mérito das obrigações de cooperação, o DPA não difere muito do CA.

O NPA é instrumento idêntico ao DPA, diferindo deste especialmente porque não é submetido inicialmente ao Judiciário[56]. Trata-se de acordo privado, portanto, não necessariamente sujeito à homologação judicial. Em regra, não se recomenda a celebração do NPA com particulares que já violaram a legislação sobre o mercado de valores mobiliários anteriormente. Como se trata de um instrumento extrajudicial, torna-se mais relevante nesse caso o estabelecimento de cláusula que proíba o particular de contestar os fatos relevantes investigados. Descumprido o acordo, a SEC retoma integralmente suas competências sancionadoras e persecutórias e, assim como no DPA, pode, para exercê-las, fazer uso de informações e provas disponibilizados pelo próprio colaborador.

DPA e NPA se amoldariam mais à classe dos chamados acordos substitutivos do ato de imposição unilateral da sanção, em que o ente sancionador pactua as penalidades com o colaborador. São instrumentos utilizados em escala menor pela SEC e usualmente empregados em casos de maior gravidade e complexidade, envolvendo repercussões na esfera penal. Não é raro, portanto, que sejam firmados no contexto de negociações mais amplas, envolvendo o DOJ, por exemplo, sobretudo em casos que revelem violações ao FCPA.

Há ainda outros dois aspectos que merecem nota a respeito dos programas conduzidos pela SEC: a possibilidade de busca, junto aos entes competentes, da imunidade penal em favor de testemunhas relevantes e programa de proteção e recompensa ao denunciante, conduzido por uma divisão específica da SEC (Whistleblower Division[57]).

Embora seja comum a defesa de que o programa de cooperação da SEC oferece vantagens suficientes para estimular a que os investigados busquem colaborar com as investigações[58], a própria agência reconhece que, em certas situações, indivíduos podem resistir a revelar fatos delicados que os exponham, especialmente em função dos efeitos que essa revelação pode produzir na esfera criminal. Para esses casos excepcionais, tendo a testemunha invocado o direito à não incriminação[59] e havendo interesse público na revelação das informações retidas, a SEC pode buscar uma ordem judicial (statutory immunity) ou uma declaração dos órgãos de persecução penal (letter immunity)que confira ao indivíduo a proteção na seara penal[60].

Para a obtenção da statutory immunity em favor da testemunha, a SEC deve requerer ao DOJ que este pleiteie em juízo a ordem que garanta a imunidade. A letter immunity, por sua vez, é obtida diretamente mediante acordo entre o indivíduo e o DOJ. Ambas protegem a testemunha do uso de seu depoimento contra si na esfera penal, exceto para o crime de perjúrio (falsa declaração) e obstrução da justiça, mas, segundo entendimento indicado no manual disponibilizado pela DOE, não impedem que a SEC use o depoimento contra o próprio indivíduo em sua atividade sancionadora[61]. No referido documento, a DOE indica, ainda, que o direito à não autoincriminação não se estende às pessoas jurídicas[62].

O programa de proteção e recompensa aos denunciantes, de outro lado, foi incrementado a partir do Dodd-Frank Act, possibilitando à SEC o pagamento de recompensas aos denunciantes que voluntariamente fornecerem informações inéditas que resultem em medidas sancionadoras pecuniárias bem-sucedidas. As recompensas variam entre 10% (dez por cento) e 30% (trinta por cento) do valor obtido pela SEC ou em outras medidas correlatas, inclusive na esfera penal – a premiação somente é admitida em casos que envolvam valores a partir de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares). O Dodd-Frank Act ainda estabelece diversos dispositivos voltados à proteção dos denunciantes, proibindo inclusive retaliações no âmbito das relações trabalho[63].

Interessante observar, ademais, que a SEC procura trabalhar em cooperação com outros reguladores do mercado financeiro no exterior, inclusive com o compartilhamento de informações e documentos que não sejam públicos[64], existindo experiência de negociações conjuntas de acordos amplos, abrangendo SEC, DOJ e autoridades brasileiras – sem, contudo, a participação da CVM[65].

Quanto à multiplicidade de instituições com competências sancionadoras, ausência de efeitos penais nos acordos celebrados com a SEC e compartilhamento de documentos entre SEC e autoridades competentes para persecução penal, cabe observar os esforços da SEC para uma atuação integrada ou coordenada. Além do mecanismo da letter immunity acima referido, é comum verificar a atuação concertada da SEC com o DOJ, especialmente no âmbito de aplicação do FCPA – em manual conjunto sobre o assunto, as entidades manifestam esse propósito de atuação, inclusive para evitar a sobreposição irracional de sanções e medidas de perdimento das vantagens auferidas, bem como ressarcimento de danos causados a terceiros (“piling on”)[66]

4. Conclusões comparativas

Dos aspectos acima analisados, entendemos que seria contraproducente a tentativa de fazer um cotejo individualizado entre as espécies de acordo estabelecidas na legislação brasileira e estadunidense que regulam a competência sancionadora dos mercados de valores mobiliários dos dois países. Interessa-nos mais, no entanto, fazer algumas considerações sobre aspectos estruturais relativos à atuação consensual da CVM e da SEC.

O primeiro deles consiste no espaço de discricionariedade reservado a essas agências na avaliação das propostas de acordo formuladas pelos interessados, bem como na valoração da cooperação empreendida, no caso dos acordos integrativos. Nesse ponto, há razoável semelhança, mas com uma distinção que merece atenção.

Embora a Lei n.º 13.506/2017 forneça de forma pontual alguns parâmetros específicos mais objetivos – a exemplo da redução dos benefícios, conforme o momento da proposta de APS, que não existe de forma tão “tabelada” no âmbito da SEC –, no cenário geral, a SEC estabelece de maneira mais explícita critérios mais densos e explicativos que guiam racionalmente seu juízo discricionário, servindo como importantes indicadores para os particulares interessados em cooperar – ainda que a agência faça todas as ressalvas sobre a reserva de sua discricionariedade na avaliação casuística das propostas.

O Seabord Report e o Policy Statement oferecem modelos ligeiramente mais detalhados que aqueles estabelecidos na Lei n.º 13.506/2017 e na Instrução CVM n.º 607/2019. Esses modelos construídos ao longo das últimas duas décadas a partir da experiência prática da SEC podem ser interessantes referenciais para a regulamentação do tema pela CVM, conferindo mais previsibilidade para sua atuação e segurança jurídica para os particulares – especialmente quanto à isonomia no tratamento de situações semelhantes – sem que, para tanto, abra mão de certo espaço de discricionariedade.

Outro ponto que, diferentemente do que se imagina, revela mais semelhanças que diferenças é a questão da multiplicidade de entes com competências sancionadoras e as consequências penais dos acordos firmados junto ao órgão regulador do mercado de capitais. À semelhança da CVM, a SEC não tem nenhuma autoridade na seara penal e os acordos que firma não garantem nenhum tipo de proteção penal em favor dos signatários. A prática, no entanto, revela que a agência estadunidense tem conseguido implementar uma atuação conjunta com o DOJ, especialmente para os casos envolvendo a aplicação do FCPA, mitigando o pesadelo dos “balcões múltiplos” de negociação. Isso também se revela em instrumentos acessórios aos acordos, a exemplo da cooperation letter e letter immunity – ferramentas que ao menos podem aproximar os entes, atenuando a disputa por protagonismo no combate aos ilícitos relacionados ao mercado de capitais.

São instrumentos que merecem consideração, cuja implementação no Brasil, preferencialmente pela via legislativa, pode ser realizada e aperfeiçoada sem trazer qualquer prejuízo às funções públicas atribuídas à CVM e ao MPF, por exemplo. Talvez seja cedo para afirmar que a ausência da celebração do APS pela CVM, até o momento e até onde se sabe, deve-se a esse problema, mas o fato é que a regulação da interação entre CVM e MP na Lei n.º 13.506/2017, Lei Complementar n.º 105/2001 e na Instrução CVM n.º 607/2019 parece oferecer mais estímulos à persecução penal em caráter adversarial, do que à cooperação.

De se ressaltar, ainda, que, diferentemente da CVM, a SEC tem intensa atuação judicial, não restringindo sua atividade sancionadora à esfera administrativa. Isso talvez confira mais poder e velocidade para a efetiva imposição das medidas punitivas ou mesmo acautelatórias definidas pela SEC – um elemento que certamente tende a ser considerado pelo particular, pesando em favor da opção pela cooperação. Por fim, outro aspecto que revela uma diferenciação que não pode ser ignorada é o programa de incentivo e proteção ao denunciante mantido pela SEC, inclusive com previsão de recompensas. A CVM, parece-nos, ainda pode evoluir muito nessa seara[67], ampliando sua capacidade de investigação.

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[1] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros: 2017, p. 285-286.

[2] Para uma posição mais cética quanto ao “direito administrativo global”, ver: GARDELLA, M. Mercè Darnaculleta. El derecho administrativo global: ¿un nuevo concepto clave del derecho administrativo? Revista de Administración Pública, núm. 199, Madrid, 2016, págs. 11-50. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18042/cepc/rap.199.01. Acesso em: 05 dez. 2020. Em sentido diverso, ver ainda: KINGSBURY, Benedict; KRISCH, Nico; STEWART, Richard B. The Emergence of Global Administrative Law. Institute of International Law and Justice – New York University School of Law, 2005. Disponível em: https://www.iilj.org/publications/the-emergence-of-global-administrative-law-3/. Acesso em 05 dez. 2020.

[3] Veja-se, por exemplo, a adesão do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BSB) aos chamados “Acordos de Basileia”, resultantes das deliberações transnacionais sobre mercado financeiro do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia (BCBS), vinculado ao Banco de Compensações Internacionais (BIS). Para mais informações sobre o Comitê de Basileia: https://www.bis.org/bcbs/. Acesso em 05 dez. 2020. Sobre a adesão do BCB ao Acordo de Basileia II: https://www.bcb.gov.br/nor/basileia/introducao.asp?frame=1. Acesso em 05 dez. 2020.

[4] Carlos Ari Sundfeld insere esse tipo de influência no direito interno (globalização ou integração do direito administrativo nacional a padrões internacionais) como um dos fenômenos que compõem o objeto de estudo do direito administrativo global. A questão é puramente terminológica e varia conforme a opção didática quanto ao objeto de estudo e sua classificação. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros: 2017, p. 287.

[5] BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. 2ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017. Edição do Kindle. Posição 8407.

[6] Disponível em: https://www.iosco.org/about/?subsection=about_iosco. Acesso em 06 dez. 2020.

[7] Entidade autárquica em regime especial, nos termos do art. 5º da Lei n.º 6.385/1976.

[8] Disponível em: http://www.cvm.gov.br/menu/internacional/organizacoes/iosco.html. Acessível em: 06 dez. 2020. Segundo noticia a própria IOSCO, o número de compartilhamento de informações saiu de 56 em 2003, ano de criação do MMoU, para 4.064 em 2018. Disponível em: https://www.iosco.org/about/?subsection=mmou. Acessível em: 06 dez. 2020.

[9]Tais medidas vinculam-se ao esforço contínuo do Governo Federal para robustecer o marco regulatório aplicável ao Sistema Financeiro Nacional (SFN). Isso se revela necessário para enfrentar com eficiência os desafios impostos pelas transformações sociais, econômicas e tecnológicas por que passa o mundo atual, caracterizado por transações econômicas progressivamente mais complexas e por instituições financeiras mais interdependentes e competitivas, tanto no plano nacional, quanto no internacional. O processo administrativo sancionador conduzido pelo BC rege-se por normas que estão em vigor há mais de cinco décadas, sendo imprescindível atualizar o referido marco regulatório, à luz da experiência recente de outros órgãos reguladores e das melhores práticas e recomendações internacionais. Imbuído desse espírito, o Capítulo II desta Medida Provisória veicula normas acerca das penalidades, medidas coercitivas e meios alternativos de solução de controvérsias aplicáveis às instituições financeiras, às demais instituições supervisionadas pelo BC e aos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), inclusive administradores e membros de órgãos estatutários e contratuais, estabelecendo, ainda, rito processual comum a todos os processos administrativos sancionadores no âmbito do BC. O projeto também atualiza e aprimora procedimentos relativos aos processos sancionadores conduzidos no âmbito da CVM, de modo que sua atuação possa ser ainda mais efetiva, dissuadindo a prática de infrações e mantendo a confiança no ambiente regulatório do mercado de capitais e a credibilidade de seu órgão regulador, aspectos essenciais ao desenvolvimento econômico do País.”. Documento subscrito pelo então presidente do Banco Central do Brasil e pelo então Ministro da Fazenda. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Exm/Exm-MP-784-17.pdf. Acesso em: 06 dez. 2020.

[10]Assim, com base na experiência institucional acumulada pelo Banco Central e na absorção das melhores práticas internacionais, entendemos que esta atualização sistemática das normas, conjugada a sua elevação ao plano legal, constituem um avanço imprescindível para fortalecimento da regulação e da supervisão do sistema financeiro nacional.”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2156331. Acesso em: 06 dez. 2020.

[11] Sobre a relevância do direito comparado no âmbito da regulação do mercado financeiro, ver: SIERRA, SUSANA DE LA. Límites y utilidades del derecho comparado en el derecho público. En particular, el tratamiento juridico de la crisis económico-financiera. Revista de Administración Pública, núm. 201, Madrid, 2016, págs. 69-99. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18042/cepc/rap.201.03.

[12] Afirma-se, inclusive, que a própria criação da CVM foi inspirada na Securities and Exchange Comission (SEC), órgão regulador do mercado nos EUA, concebido em 1934, poucos anos depois do crack da bolsa estadunidense em 1929. VIEIRA, Jorge Hilário Gouveia. Venda de grandes lotes de ação no mercado secundário: Inquérito CVM 004/80. In: BORBA, Gustavo Tavares; BORDA, Rodrigo Tavares; de ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Comissão de Valores Mobiliários: precedentes comentados. Rio de Janeiro: Forense, 2021. Edição do Kindle, p. 656.

[13] O mais antigo acordo bilateral firmado pela CVM, segundo ela própria noticia, foi com a SEC, órgão regulador do mercado de valores mobiliários nos EUA. O objeto do acordo era o regramento da cooperação entre os órgãos na troca de informações necessárias às suas investigações. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/menu/internacional/acordos/bilaterais.html. Acessível em: 06 dez. 2020.

[14] Veja-se o exemplo do rumoroso caso Embraer, que foi solucionado por meio de acordos celebrados nos EUA e no Brasil, com a participação dos órgãos reguladores do mercado de valores mobiliários dos dois países (SEC e CVM, respectivamente). Disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2016/20161024-1.html. Acesso em: 06 dez. 2020. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/10/embraer-admite-que-pagou-propina-e-faz-acordo-de-r-64-mi-com-cvm.html. Acesso em: 06 dez. 2020.

[15] O elenco da redação atual do art. 2º da Lei n.º 6.385/1976, modernizado pelas alterações da Lei n.º 10.303/2001, reflete essa aproximação do nosso conceito de valores mobiliários adotado no Brasil ao de securities, empregado nos EUA. Para mais informações sobre a evolução do conceito no ordenamento jurídico brasileiro:EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de capitais: regime jurídico. 4ª Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 90-97.

[16] Recorde-se que, em linhas gerais, “os valores mobiliários são formados por: I- ações, debêntures e bônus de subscrição; II- cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários mencionados no inciso I acima; III- certificados de depósitos de valores mobiliários; IV- cédulas de debêntures; V- cotas de fundos de investimento em geral ou de clubes de investimentos em quaisquer ativos; VI- notas comerciais (commercial papers); VII- os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários (…); VIII- outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes (…); e IX- quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros (…)”. SILVA, Américo Luís Martins. Direito dos mercados financeiros – Volume 1: Mercado Financeiro, Sistema Financeiro Nacional e Instituições Financeiras. 2ª Edição. Edição do Kindle, 2015. Posições 5462-6489.

[17] A autarquia pode, entre outras medidas, suspender a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso de bolsa de valores; suspender ou cancelar os registros de que a Lei n.º 8.635/1976; divulgar informações ou recomendações com o fim de esclarecer ou orientar os participantes do mercado; proibir aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática de atos que especificar, prejudiciais ao seu funcionamento regular. (art. 9, §1º, I, II, III e IV).

[18] O rol de infrações graves é definido no Anexo 64, da Instrução CVM n.º 607/2019.

[19] Verifica-se que a CVM tem sido muito transparente nos processos sancionadores, divulgando não apenas o conteúdo de decisões em casos importantes, como também os números de sua atividade sancionadora. Desde 2017 a autarquia disponibiliza trimestralmente relatórios sobre sua atividade sancionadora. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/publicacao/relatorio_atividade_sancionadora.html. Acesso em: 07 dez. 2020.

[20] Na Instrução CVM n.º 607/2019, a autarquia especifica ainda outros elementos a serem considerados na formação da sua decisão, quais sejam “a natureza e a gravidade das infrações objeto do processo, os antecedentes dos acusados ou investigados ou a colaboração de boa-fé destes e a efetiva possibilidade de punição, no caso concreto” (art. 86).

[21] Na Instrução CVM n.º 607/2019, estabelece-se que o benefício da imunidade administrativa somente pode ser concedido a quem somente será concedido nos casos em que os fatos relatados não forem de conhecimento da CVM (art. 107, I).

[22] Embora os dispositivos legais limitem essa restrição às pessoas jurídicas, a Instrução CVM n.º 607/2019 a estende às pessoas físicas (art. 107, §1º).

[23] Segundo dispõe o art. 103 da Instrução CVM n.º 607/2019, no entanto, o conteúdo do acordo, envolvendo o “histórico de conduta, a identidade dos signatários, os documentos relacionados e suas informações específicas deverão ser mantidos como sigilosos em relação ao público em geral até o julgamento do processo pela CVM”.

[24] Sobre a atuação do MP durante o processo legislativo, ver: ROMAN, Flávio José; PORTUGUEZ, Paulo Rafael Borges. Aspectos estruturais do acordo administrativo em processo de supervisão: morte prematura do instituto negocial. NISHIOKA, Alexandre Naoki; RAMOS, Giulia. Nova lei, velho impasse: o acordo administrativo no âmbito da Lei nº 13.506/2017 e a ausência de efeitos penais. In: ALVES, Rui Fernando Ramos et. Al. (Coord.). O novo regime sancionador nos mercados financeiro e de capitais: uma análise da lei 13.506/17. São Paulo: IASP, 2019, p. 110-111; 126-137.

[25]Os acordos substitutivos caracterizam-se pelo efeito terminativo do processo administrativo no qual são celebrados. Quando firmados, estes acordos substituem a decisão unilateral e imperativa da Administração Pública ou findam o processo instaurado para conformação do processo administrativo.” PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 213-214 e 252.

[26]Os acordos integrativos caracterizam-se por precederem o provimento final, sem o substituir, razão pela qual também são denominados de acordo endoprocedimentais ou acordos preliminares. Correspondem aos acordos firmados com a Administração Pública e o administrado com vistas a modelar o ato final, o qual, contudo, continua sendo de competência unilateral da Administração.” Ibidem, 248.

[27] Aparentemente por influência do MP, que tinha a preocupação de distinguir esse instrumento do acordo de leniência previsto na Lei nº 12.529/2011, que produz efeitos na seara criminal (art. 87). NISHIOKA, Alexandre Naoki; RAMOS, Giulia. Nova lei, velho impasse: o acordo administrativo no âmbito da Lei nº 13.506/2017 e a ausência de efeitos penais. In: ALVES, Rui Fernando Ramos et. Al. (Coord.). O novo regime sancionador nos mercados financeiro e de capitais: uma análise da lei 13.506/17. São Paulo: IASP, 2019, p. 134.

[28] VERZOLA, Antonio Carlos; VERZOLA, Maysa Abrahão Tavares. Mercado Financeiro e de Capitais: regulação e sanção administrativa – Lei nº 13.506/2017 – BACEN e CVM. São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 129.

[29] CANETTI, Rafaela Coutinho. Acordo de leniência: fundamentos dos institutos e os problemas de seu transplante ao ordenamento jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 203.

[30] Ibidem, p. 206.

[31] LORIA, Eli; KALANSKY, Daniel; TRISTÃO, Conrdado. Três desafios para o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão no Sistema Financeiro Nacional. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino de. (Coord.). FILHO, Wilson Accioli de Barros. (Org.) Acordo administrativos no Brasil: teoria e prática. São Paulo: Almedina, 2020. Edição do Kinde.

[32] PORTUGUEZ, Paulo Rafael Borges. Aspectos estruturais do acordo administrativo em processo de supervisão: morte prematura do instituto negocial. In: ALVES, Rui Fernando Ramos et. Al. (Coord.). O novo regime sancionador nos mercados financeiro e de capitais: uma análise da lei 13.506/17. São Paulo: IASP, 2019, p. 112-115.

[33] NISHIOKA, Alexandre Naoki; RAMOS, Giulia. Nova lei, velho impasse: o acordo administrativo no âmbito da Lei nº 13.506/2017 e a ausência de efeitos penais. In: ALVES, Rui Fernando Ramos et. Al. (Coord.). O novo regime sancionador nos mercados financeiro e de capitais: uma análise da lei 13.506/17. São Paulo: IASP, 2019, p. 145-147.

[34] Ao menos desde 2008 existe termo de cooperação técnica firmado entre CVM e Ministério Público Federal (MPF). Disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2018/20180508-2.html. Acesso em: 08 dez. 2020.

[35] A título ilustrativo: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2016/20161024-1.html. E também: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2010/20100913-1.html. Acesso em: 08 dez. 2020.

[36] Disponível em:

http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/noticias/anexos/2018/20180508_atuacoes_conjuntas_CVM_MPF.pdf. Acesso em: 08 dez. 2020.

[37] Disponível em: http://www.cvm.gov.br/publicacao/relatorio_atividade_sancionadora.html. Acesso em: 08 dez. 2020.

[38] Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/Nota_Tecnica_4_2017_Analisa_MP_784.pdf. Acesso em: 08 dez. 2020.

[39] Vejam-se, nesse sentido, os artigos 83, 86 e 98 da Instrução CVM n.º 607/2019.

[40] 17 CFR §200.1. Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?SID=f2dc961ebc64a396f7bd36402f1c7bfa&mc=true&node=se17.3.200_11&rgn=div8. Acesso em: 10 dez. 2020.

[41] Ver o guia sobre o FCPA, preparado em conjunto pelo Department of Justice (DOJ) e pela SEC. Disponível em: https://www.justice.gov/criminal-fraud/file/1306671/download. Acesso em: 10 dez. 2020.

[42] A exemplo da “doutrina Chevron”, baseada no precedente do caso Chevron U.S.A., Inc. v. NRDC, em que foram estabelecidos critérios restritivos para a revisão judicial de atos e decisões administrativas das chamadas agencies estadunidenses. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/467/837/. Acesso em: 10 dez. 2020.

[43] Disponível em: https://www.sec.gov/enforce/Article/enforce-about.html. Acesso em: 10 dez. 2020.

[44] CHOI, Stephen J., PRICHARD, Adam C. The SEC’s shift to administrative proceedings: an empirical assessment. Yale J. Reg. 34, n. 1 (2017): 1-32.

[45] Ver o precedente da Suprema Corte no caso Lucia et al. v. Securities And Exchange Commission. Disponível em: https://www.supremecourt.gov/opinions/17pdf/17-130_4f14.pdf. Acesso em: 10 de dez. 2020.

[46] Ver o manual disponibilizado pela Division of Enforcement: https://www.sec.gov/divisions/enforce/enforcementmanual.pdf. Acesso em: 10 dez. 2020.

[47] Disponível em: https://www.sec.gov/spotlight/enforcement-cooperation-initiative.shtml. Acesso em: 10 dez. 2020.

[48] Disponível em: https://www.sec.gov/litigation/investreport/34-44969.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.

[49] 17 US CFR §202.12 – Policy statement concerning cooperation by individuals in its investigations and related enforcement actions. Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?SID=9b5317c812629730cd87c710a35db327&mc=true&node=se17.3.202_112&rgn=div8. Acesso em: 10 dez. 2020.

[50] Ilustrativamente: https://www.sec.gov/litigation/litreleases/2012/lr22298.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.

[51] COFFEE JR., John C.. Corporate Crime and Punishment: the crisis of underenforcement. Berrett-Koehler Publishers. Edição do Kindle, p. 93-109.

[52] Nesse sentido foram as reflexões do então diretor da Division of Enforcement, Andrew Ceresney, em 2015: https://www.sec.gov/news/speech/sec-cooperation-program.html#_ftn9. Acesso em: 10 dez. 2020.

[53] As principais informações abaixo descritas foram extraídas do manual disponibilizado pela DOE, já citado e pelos instrumentos disponibilizados pela SEC em seu site.

[54](e) The Commission has adopted the policy that in any civil lawsuit brought by it or in any administrative proceeding of an accusatory nature pending before it, it is important to avoid creating, or permitting to be created, an impression that a decree is being entered or a sanction imposed, when the conduct alleged did not, in fact, occur. Accordingly, it hereby announces its policy not to permit a defendant or respondent to consent to a judgment or order that imposes a sanction while denying the allegations in the complaint or order for proceedings. In this regard, the Commission believes that a refusal to admit the allegations is equivalent to a denial, unless the defendant or respondent states that he neither admits nor denies the allegations.” 17 CFR §202.5(e). Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?SID=54bba99984dfa65f33cd436e013a5dd8&mc=true&node=se17.3.202_15&rgn=div8. Acesso em: 20 dez. 2020.

[55] Em 2011 foi firmado o primeiro DPA pela SEC: https://www.sec.gov/news/press/2011/2011-112.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.

[56] Há, inclusive, quem aponta para uma espécie de fuga, por parte dos particulares, do DPA para o NPA, justamente com o objetivo de diminuir a exposição do colaborador e o risco de algum tipo de revisão judicial quanto ao conteúdo do acordo. Isso explicaria o aumento significativo da celebração de NPAs, em detrimento dos DPAs, o que diminuiria a transparência no exercício das competências puniticas. Nesse sentido: COFFEE JR., John C.. Corporate Crime and Punishment: the crisis of underenforcement. Berrett-Koehler Publishers. Edição do Kindle, p. 40-41.

[57] Para mais informações: https://www.sec.gov/page/whistleblower-100million. Acesso em: 10 dez. 2020.

[58] Ver nesse sentido as colocações do então diretor da DOE, Andrew Ceresney, em 2015: “So far I hope I’ve given you a better sense of what the Enforcement staff can seek to accomplish through cooperation agreements.  But let me turn to a question that I suspect is on the minds of many of you:  Is cooperation worth it?  Does it provide significant enough benefits to make it worthwhile?  Particularly given some of the downsides, including the need to potentially testify against others, can it pay sufficient dividends to justify the sacrifice?  Of course, in the criminal realm, a reduction in sentence is a very significant benefit of cooperation and serves to incentivize cooperation.  Have we been able to offer benefits sufficient to incentivize cooperation on the civil side? My answer to that is a simple yes.  Let me start by talking about the cooperation calculus for individuals.  Say that you represent someone who fits this profile:  they are caught up in an investigation where charges are likely, but there are others who are more culpable or are in a more senior role.  True, they can hunker down during the investigation and hope for the best.  But if they come forward and assist the investigative staff, they can be affirmatively helping themselves as well.  Our history over the last five years demonstrates that the benefits are real in terms of charging decisions, monetary relief, and bars.  Let me go through each of those categories of benefits.” https://www.sec.gov/news/speech/sec-cooperation-program.html#_ftn9. Acesso em: 10 dez. 2020.

[59] 5ª Emenda à Constituição estadunidenste: “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation”. Disponível em: https://constitution.congress.gov/constitution/amendment-5/. Acesso em: 10 dez. 2020.

[60] 18 U.S.C § 6002: “Whenever a witness refuses, on the basis of his privilege against self-incrimination, to testify or provide other information in a proceeding before or ancillary to (1) a court or grand jury of the United States, (2) an agency of the United States, or (3) either House of Congress, a joint committee of the two Houses, or a committee or a subcommittee of either House, and the person presiding over the proceeding communicates to the witness an order issued under this title, the witness may not refuse to comply with the order on the basis of his privilege against self-incrimination; but no testimony or other information compelled under the order (or any information directly or indirectly derived from such testimony or other information) may be used against the witness in any criminal case, except a prosecution for perjury, giving a false statement, or otherwise failing to comply with the order.” E 18 U.S.C § 6004: “(a) In the case of any individual who has been or who may be called to testify or provide other information at any proceeding before an agency of the United States, the agency may, with the approval of the Attorney General, issue, in accordance with subsection (b) of this section, an order requiring the individual to give testimony or provide other information which he refuses to give or provide on the basis of his privilege against self-incrimination, such order to become effective as provided in section 6002 of this title. (b) An agency of the United States may issue an order under subsection (a) of this section only if in its judgment (1) the testimony or other information from such individual may be necessary to the public interest; and (2) such individual has refused or is likely to refuse to testify or provide other information on the basis of his privilege against self-incrimination.” Disponível em: https://uscode.house.gov/view.xhtml;jsessionid=B84A4F3E61CBC7B01988F74040E98370?req=granuleid%3AUSC-prelim-title18-chapter601&saved=%7CZ3JhbnVsZWlkOlVTQy1wcmVsaW0tdGl0bGUxOC1zZWN0aW9uNjAwMg%3D%3D%7C%7C%7C0%7Cfalse%7Cprelim&edition=prelim. Acesso em: 10 dez. 2020.

[61]Both types of immunity prevent the use of statements or other information provided by the individual, directly or indirectly, against the individual in any criminal case, except for perjury, giving a false statement, or obstruction of justice. Neither an immunity order nor an immunity letter, however, prevents the Commission from using the testimony or other information provided by the individual in its enforcement actions, including actions against the individual for whom the immunity order or letter was issued.

[62]The Fifth Amendment privilege against self-incrimination protects individuals and sole proprietorships, but does not protect a collective entity, such as a corporation, or papers held by an individual in a representative capacity for a collective entity.”

[63] 17 C.F.R. § 240.21F-8. Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?SID=33f4aad79b662b5fd8982ac023d554a7&mc=true&node=se17.4.240_121f_62&rgn=div8. Acesso em: 10 dez. 2020.

[64] 17 CFR §240.24c-1. Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-bin/text-idx?SID=86aa76db13beac291256cc806c9693c4&mc=true&tpl=/ecfrbrowse/Title17/17cfr240_main_02.tpl. Acesso em: 10 dez. 2020.

[65] A exemplo do caso Braskem. Nesse sentido, ver: https://www.sec.gov/news/pressrelease/2016-271.html. E também: http://fcpa.stanford.edu/fcpac/documents/4000/003410.pdf. Acesso em: 10 dez. 2020.

[66] Disponível em: https://www.justice.gov/criminal-fraud/file/1306671/download. Acesso em: 10 dez. 2020.

[67] Disponível em: http://www.cvm.gov.br/menu/atendimento/delacao_anonima.html. Acesso em: 10 dez. 2020.

Por Joana Batista e Daniele Uchida (publicado em 18.09.2020 em www.jota.info)

Apesar das previsões contratuais de áleas extraordinárias e dos mecanismos de reequilíbrio, proposta do senador Anastasia tem o mérito de oferecer mais segurança jurídica em meio à Pandemia.

Se é verdade que a administração pública, assim como o empresariado, opera em ambiente de permanente incerteza, é preciso reconhecer que a Pandemia pelo Covid-19 agravou ainda mais os riscos e vulnerabilidades dos contratos administrativos e da prestação de serviços à população. Para dar apenas um exemplo e tomando por base as concessões de rodovias, uma breve análise dos dados coletados pela ABCR no mês de julho/20, mostrou que o fluxo de veículos nas rodovias concessionadas em todo Brasil sofreu forte impacto da situação de pandemia: “comparado ao mesmo período de 2019, o índice total caiu 18,7%. O fluxo pedagiado de veículos leves recuo 24,9%, enquanto o fluxo de pesados caiu 0,1%.”  

Dado que esse novo normal não parece ter data para terminar, impõe-se a urgente necessidade de discussão sobre o tratamento a ser dado aos contratos com a administração pública para contrabalançar os efeitos nefastos da pandemia.

As concessões de serviços públicos demandam especial reflexão. Tratam-se de serviços essenciais e que, portanto, não podem ser interrompidos. Ocorre que, ao contrário da receita das concessionárias, que é diretamente impactada pela queda do fluxo de tráfego decorrente do isolamento imposto pela Pandemia, as obrigações contratuais das concessionárias, tais como pagamento de outorgas, investimentos, etc, quase sempre independem do volume de tráfego. 

Reconhecendo a excepcionalidade do momento e a possibilidade do arcabouço jurídico atual não contemplar com segurança jurídica a amplitude e a necessária urgência na implantação de medidas necessárias para um momento tão desafiador, o Senador Antônio Anastasia apresentou o PL 2139/20 com a finalidade de regular os efeitos negativos da Pandemia sobre os contratos celebrados pela Administração Pública de todas as esferas, inclusive pelas estatais, incluindo os contratos de concessão. 

Aqui, vale o alerta de que não se desconhece que a concretização de eventos que apontam para álea extraordinária dos contratos, já sinalizaria, com ou sem aprovação do PL 2139/20, para o reequilíbrio dos contratos em curso, desde que impactados, seja pela aplicação de suas cláusulas, seja das normas gerais de direito. Contudo, este fato não afasta, em nossa opinião, o mérito e a necessidade de debate e aprovação do Projeto. 

Feita a ressalva, parece claro que com a finalidade de instituir medidas para assegurar a continuidade da execução contratual e “promover a solução menos nociva para os interesses público e privado”, conforme previsão de seu art. 2 º, §1º, o PL 2139/20 encarta um conjunto de regras para que os pedidos de reequilíbrio, recomposição e revisão sejam analisados com celeridade, segurança jurídica tanto para quem os avalia, quanto para quem os faz. — e mais, com soluções adequadas, em um esforço de evitar a judicialização desnecessária do tema, em prejuízo de todos e sobrecarga do Judiciário. 

O projeto prevê a possibilidade da Administração rever obrigações contratuais e adotar qualquer outra medida que se mostre necessária e adequada para conter os impactos da pandemia ou assegurar a continuidade da prestação objeto dos contratos, antes mesmo da conclusão do processo de reequilíbrio contratual, a ser realizado ao término do período de calamidade pública. Dentre as medidas possíveis estão a suspensão da exigibilidade de obrigações do contratado, com a consequente revisão de cronogramas para entrega de produtos, de serviços ou para a realização de investimentos; alteração das especificações e quantidades do objeto contratual e a suspensão da cobrança de sanções. A possibilidade de adoção de medidas imediatas antes da conclusão do reequilíbrio contratual é positiva e endereça a urgência e celeridade que o cenário requer, garantindo eficácia em sua aplicação. 

O PL 2139/20 também prevê a possibilidade de postergação do pagamento de encargos devidos ao Poder Concedente com efeito caixa imediato para as concessionárias. Assim, valores como outorga fixa ou variável, receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, encargos de fiscalização ou congêneres, previstos nos respectivos contratos, além de encargos setoriais, poderão ser suspensos durante o período de calamidade pública e utilizados para cobrir as despesas incorridas na continuidade da prestação do objeto contratual.

Durante a vigência do regime instituído pelo PL 2139/20, os limites para acréscimos ou supressões contratuais estabelecidos pelo §1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 poderão ser ultrapassados. Para isso, será necessário que as partes cheguem a um acordo quanto ao montante de acréscimo ou de redução.

Outra inovação trazida pelo PL 2139/20 é a possibilidade das partes estabelecerem nova equação econômico-financeira para o contrato, inclusive com revisão da matriz de riscos originalmente prevista para refletir o novo desenho de obrigações pactuadas, de modo a proporcionar a continuidade saudável do contrato. Esta revisão, segundo a proposta, se dará quando da análise do pedido de recomposição a ser feito após o encerramento do período de calamidade pública.

Para as concessionárias e para a sociedade, tal mudança seria bem-vinda. Desde que bem implementado, tal dispositivo pode evitar que as dificuldades financeiras advindas da queda das receitas venham a interromper o funcionamento dos serviços – situação em que o maior prejudicado seria o cidadão. 

Ainda que o PL 2139/20 possa e deva ser amplamente discutido com a sociedade, e certamente tenha espaço para aperfeiçoamentos,  entendemos que as medidas propostas são úteis e serão de valiosa aplicabilidade para solucionar com celeridade as questões e impactos da Pandemia sobre os contratos públicos em vigor, notadamente os contratos de concessão, trazendo orientações fundamentais para nortear a ação dos órgãos reguladores de cada setor. Em assuntos complexos e tão fundamentais como as concessões de serviços públicos, quanto mais consensuais e céleres forem as soluções adotadas, maiores serão os benefícios à toda a sociedade. 

  1.  Sócia de Batista, Uchida, Uehbe Advogados, é Advogada, Mestra em Direito Administrativo pela PUC-SP, Professora de Direito Administrativo, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, onde preside a Comissão de Integridade e Compliance, e associada fundadora do IDASAN. 
  2. Sócia de Batista, Uchida, Uehbe Advogados, é advogada especializada em Infraestrutura.
  3. “A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR representa o setor de concessões de rodovias, que é formado por 48 empresas privadas e associadas, que atuam em 12 estados do País (Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) e Distrito Federal. São 16 concessionárias federais, 30 estaduais e 1 municipal.” Segundo o próprio site da ABCR, “o índice mede o movimento nas estradas sob concessão e é construído pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR juntamente com a Tendências Consultoria Integrada.” (https://abcr.org.br/indice/indice-abcr-do-mes, acesso em 06.09.2020).
  4. As reflexões para publicação deste artigo se originaram da participação no Webinar promovido pelo IBDA em conjunto com a AASP no último dia 04.09 intitulado “Projeto de Lei nº 2.139, de 2020 – Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas contratuais da Administração Pública, no período da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus (Covid-19)”, ao lado de renomados Professores de Direito Administrativo.
  5. A exemplo do que também fez quanto às relações jurídicas de Direito Privado com a autoria do PL 1179/20, que deu origem à Lei 14.010/20.
  6. Não se desmerece com isso a LINDB (Lei 13.655/2018), que confere ao administrador uma série de parâmetros como forma de garantir segurança jurídica e eficiência na aplicação das normas jurídicas. A LINDB nos parece um diploma de suma importância para tratar dos efeitos jurídicos decorrentes da situação sui generis em que nos encontramos, mas em nossa opinião a sua aplicação fortalece as regras previstas no PL 2139/2020.

Link da publicação original: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-2139-20-reflexos-contratos-concessao-18092020

1/07/2020 – 15ª Reunião da APET – Tributação do Agronegócio: Desafios Atuais

Participação de Joana Batista palestrando e debatendo sobre “PIS/COFINS: divergências atuais no direito de crédito no agronegócio.” https://www.youtube.com/watch?v=CPedORZrAN0

4/09/2020 – Webinar AASP | IBDA – Proposições normativas | Improbidade e contratação emergencial

Painel sobre o “Projeto de Lei nº 2.139, de 2020: Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas contratuais da Administração Pública, no período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19).”

Debatedora: Alyne Gonzaga de Souza (AGU) e Expositores: Cristiana Fortini (UFMG), Cesar Pereira (IDP), Carolina Zancaner Zockun (PUC-SP) e Joana Paula Batista (IBDA) – https://us02web.zoom.us/webinar/register/WN_RBWuIq4MTCGGe-fXqCv95w

16/09/2020 – Evento do MPF – SP: Acordos em Tutela Coletiva e na Regulação
Mesa sobre “Acordo de Não Persecução Cível”
entre o Procurador da República Helio Telho e a Advogada Joana Batista, com a mediação da Procuradora Regional da República Ana Paula Mantovani Siqueira.
https://www.youtube.com/watch?v=g6jHLnQvH74&list=PLMbayUhtZW_7xkAFKT0ZUP7TNn54aOhJF&index=9

4 a 7/11/2020 – XXXIV Congresso Brasileiro de Direito Administrativo IBDA|AASP
Painel sobre Contratações Públicas: “Mutabilidade e Equilíbrio Econômico-financeiro dos Contratos em razão da Pandemia”, com participação do Ministro do TCU Benjamin Zymler, da Advogada Joana Batista, da Assessora do TCM-SP Karina Harb e mediação da Advogada Maíra Calegari.
https://www.aasp.org.br/evento/xxxiv-congresso-brasileiro-de-direito-administrativo-ibda-aasp/