Por Joana Batista – Sócia de Batista, Uchida, Uehbe, Advogados, mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, professora de Direito Administrativo, membro-fundadora do Idasan e presidente da Comissão de Integridade do IBDA.
A experiência demonstra que longas disputas em torno de contratos administrativos em geral são uma espécie de perde-perde, não somente para as partes imediatamente envolvidas. Perde a administração pública, perde o particular, perde a sociedade, perde o usuário do serviço público envolvido e perde a administração da Justiça. Perde-se dinheiro, tempo, recursos públicos, perde-se em segurança jurídica e, portanto, em investimentos. Assim, qualquer iniciativa que pretenda abreviar essas demandas, é mais do que louvável.
Foi nesse contexto que, sem muito alarde, foi publicada a Portaria nº 142, de 29/04/2022, do Conselho Nacional de Justiça (“Portaria 142”), que cria o Comitê de Resolução de Disputas Judiciais de Infraestrutura (“CRD-Infra”), responsável por conferir tratamento e solução para conflitos judiciais referentes, dentre outros, a empreendimentos públicos de infraestrutura.
Para o setor de infraestrutura, é uma Portaria extremamente importante, já que os conflitos que ela visa regular envolvem empreendimentos relevantes não só em termos de valor, como também quanto aos efeitos que produzem para a sociedade.
O objetivo do CRD-Infra é alcançar a autocomposição entre as partes do litígio judicial, sob a presidência e autoridade do CNJ, evitando os custos econômicos e sociais que as demoradas disputas que envolvem esses empreendimentos geram ao longo dos anos. Além disso, é uma forma, ainda que oblíqua, de se evitar o manejo constante de Suspensões de Segurança e Suspensões de Liminar que, além de representarem uma medida de força do Poder Público, podem causar grande prejuízo para quem com ele contrata, independentemente do regime de contratação.
A Portaria é aplicável apenas aos projetos de infraestrutura qualificados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que estão previstos na Lei nº 13.334/2016:
- empreendimentos públicos de infraestrutura em execução, ou a serem executados, por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta e indireta da União, assim entendidos a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante;
- os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
- as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização;
- as obras e os serviços de engenharia de interesse estratégico.
É digno de nota que não estamos tratando apenas de projetos e empreendimentos federais, já que a própria Portaria inclui no regime do CRD-Infra os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o que, em tese, pode resolver conflitos existentes em diversos segmentos da infraestrutura, tais como saneamento, iluminação pública, resíduos sólidos, ferrovias, etc, cuja competência seja municipal ou estadual.
Aliás, os próprios motivos expostos na Portaria explicitam a ideia de que, partindo da solução de conflitos relacionados ao setor de transportes, o Ministério da Infraestrutura promova a expansão da iniciativa de solução dos conflitos da Pasta para outros segmentos da infraestrutura nacional, sob sua influência.
Tratando-se de um regime que desloca uma disputa judicial (ou arbitral) do seu juiz natural, ainda que momentaneamente, é ele absolutamente excepcional e, como tal, a figura do presidente do CNJ, que é também o presidente do Supremo Tribunal Federal, tem um papel central e fundamental em sua estruturação.
Segundo a Portaria 142, a indicação de um caso concreto para atuação do CRD-Infra poderá ser feita de ofício pelo presidente do CNJ ou mediante solicitação a ele dirigida, oriunda exclusivamente do Ministro de Estado responsável pelo projeto, após a manifestação da Advocacia-Geral da União acerca da sua viabilidade.
Entendemos que, aqui, há uma lacuna na portaria, que deixou de prever a possibilidade de que o particular que contrata com a Administração Pública e que, portanto, executa o contrato sob disputa sofrendo os efeitos do litígio, possa indicar um caso concreto para submissão ao CRD-Infra. Esta iniciativa certamente promoveria segurança jurídica aos futuros contratos de parceria, além dos atualmente em curso. Não nos parece haver discrímen que validamente justifique esse tratamento diferenciado entre os parceiros público e privado de um contrato sob litígio.
O procedimento para resolução de uma disputa específica no âmbito do CRD-Infra pode se iniciar de ofício ou mediante solicitação direcionada ao Presidente do CNJ. É ele que analisará a sua viabilidade e decidirá sobre a atuação do Comitê em cada caso concreto. Em outras palavras, para que um caso seja submetido ao CRD-Infra compete exclusivamente ao Presidente do CNJ autorizar que assim se faça.
Competirá, então, ao CRD-Infra, relacionar os casos passíveis de tratamento e identificar os atores envolvidos; identificar os métodos adequados de resolução dos conflitos; estabelecer comunicação e cooperação com os órgãos envolvidos em cada conflito; solicitar pareceres técnicos dos órgãos convidados pelo CRD-Infra para a tomada de decisão sobre as estratégias a serem adotadas pelo Comitê; e estabelecer um diálogo permanente com as autoridades judiciais com competência nos feitos apreciados pelo Comitê.
O Comitê funcionará quase como um facilitador do diálogo entre as partes envolvidas no conflito, com a autoridade do CNJ, em sessões que poderão ocorrer presencialmente ou por videoconferência. Uma espécie “sui generis” de Dispute Review Board em que o conflito entre as partes já está instalado e judicializado, mas a relevância do projeto demanda uma solução célere.
As reuniões do Comitê, segundo a Portaria, serão presididas pelo Presidente do CNJ, que poderá designar o Secretário-Geral do CNJ para exercer a função, podendo este, por sua vez, delegar a presidência das reuniões para um juiz togado Auxiliar por ele designado.
Alcançada a autocomposição, competirá ao juízo natural competente a homologação judicial de seus termos, extinguindo-se o litígio.
A iniciativa da criação do CRD-Infra é um passo importante para melhorar o diálogo entre os atores responsáveis pela infraestrutura nacional e vale observar o seu funcionamento daqui por diante para que aperfeiçoamentos e ampliações de escopo sejam devidamente avaliados.